Dogmatismo (do grego dogmatikós, que se funda em princípios) é a postura que admite a capacidade do homem, por meio da razão, atingir a verdade absoluta, definitiva e indiscutível. Dogma, ou doutrina, é a descrição da realidade, e dogmático é aquele que acredita que a realidade é exatamente da forma como a percebe. Os dogmáticos erram ao desconsiderar o fato de que a realidade é sempre maior do que o que dela conseguimos perceber e mesmo aquilo que conseguimos perceber é maior do que o que conseguir traduzir em palavras. Dogmas são crenças. Crença é a afirmação racional que descreve a realidade, a decodificação em palavras do que enxergamos do mundo que nos cerca, o conjunto de doutrinas que adotamos para descrever e organizar a realidade e nos situarmos nela. Quando Jesus diz: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”, estabelece uma nova dimensão de relação com a verdade. A partir desta declaração de Jesus, a verdade não é mais uma questão de crença, pois já não se trata de explicar e descrever a realidade de maneira racional, mas de se relacionar com uma pessoa: o próprio Jesus. O Novo Testamento Judaico traduz corretamente João 3.16: “Deus amou tanto o mundo que deu seu Filho único, para que todo que nele confia possa ter vida eterna, em vez de ser completamente destruído”. José Comblin, em seu opúsculo O que é a verdade? (Paulus: 2005), concorda que a verdade não é dogma ou doutrina, mas a pessoa de Jesus, e que o encontro com a verdade se dá no caminho de Jesus, a saber, o caminho do amor. Isso faz total sentido com o ensino dos primeiros apóstolos cristãos. João, dos discípulos talvez o mais íntimo de Jesus, nos aponta o caminho: “Amados, amemos uns aos outros, pois o amor procede de Deus. Aquele que ama é nascido de Deus e conhece a Deus. Quem não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor. Foi assim que Deus manifestou o seu amor entre nós: enviou o seu Filho unigênito ao mundo, para que pudéssemos viver por meio dele. Nisto consiste o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou e enviou seu Filho como oferta pelos nossos pecados. Amados, visto que Deus assim nos amou, nós também devemos amar uns aos outros (...) ninguém jamais viu a Deus; se amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós, e o seu amor está aperfeiçoado em nós. Deus é amor. Todo aquele que permanece no amor permanece em Deus, e Deus nele” (1João 4.7-16). Deus não pode ser visto, apropriado pela razão, traduzido em palavras. Mas pode ser percebido, experimentado. O máximo que o humano pode perceber de Deus foi revelado em Jesus, sua vida e seu amor. Por esta razão, o encontro com Deus não é questão de crença, mas de fé, sendo muito mais uma questão de seguimento em amor do que de doutrinas corretas. A teologia, em termos de doutrinas e dogmas, serve à minha razão e me ajuda a organizar a realidade e me situar nela, para que o mundo me faça sentido e eu possa caminhar com direção e significado. Mas José Comblin me convenceu de que “os catequistas não podem comunicar a verdade – não podem comunicar a outra pessoa o conhecimento da verdade. Nem os pregadores e nem os teólogos podem fazer isso. Podem comunicar discursos humanos sobre Jesus, mas isso não é tornar conhecida a verdade (...) os catequistas, os pregadores e os teólogos podem fornecer elementos de reflexão; podem transmitir o seu próprio conhecimento ou colocar os ouvintes em condições favoráveis para que possam fazer a experiência do amor, mas devem dar a conhecer que não podem fazer mais que isso: convidar as pessoas a entrar no caminho do amor (...) Não adianta discutir ou procurar convencer. Uma pessoa vê ou não vê. Não adianta forçar alguém que não pode ver a ver. Somente pode ver quem está no caminho de Jesus pelo amor. Os demais não podem enxergar nada e somente podem explicar a visão dos outros em termos de ilusão ou loucura. Ver a verdade não é como ver um objeto, ou como ver um raciocínio. É um ver que envolve a pessoa toda, a vida toda. Não é uma visão que se contempla um momento para passar a outro objeto. É uma visão que acompanha a vida”.
Ed René Kivitz
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