segunda-feira, 13 de abril de 2009

POR QUE TEM TANTA GENTE DEVENDO TANTO?

O que era uma onda de calotes no mercado imobiliário dos Estados Unidos se transformou em uma crise econômica global cujos efeitos já chegaram ao comércio, aos empregos e ao cotidiano de todos. Por trás da crise existe uma lógica que rege a dinâmica do mundo financeiro. Mas é possível ir mais fundo. As relações econômicas refletem as luzes e sombras do coração humano, o que catapulta a discussão a respeito de dinheiro e mercado para a arena dos valores e da ética. 

O economista Eduardo Giannetti discute a questão em seu livro O valor do amanhã (São Paulo: Cia. Das Letras, 2005). Afirma que as transações envolvendo questões econômicas e financeiras implicam a relação entre o custo (o que se pagou) e o benefício (o que se recebeu), e ganham contornos éticos quando envolvem a tensão entre duas possibilidades: pagar agora para usufruir depois ou usufruir agora para pagar depois. Juro e desconto são os vocábulos embutidos na relação: “o juro computa o valor da troca do presente para o futuro (o valor adicional que se paga/recebe amanhã por aquilo que se tomou/cedeu hoje), o desconto faz a mesma operação, só que no sentido inverso, ou seja, do futuro para o presente (o valor daquilo que se pagará/receberá amanhã caso isso fosse pago/recebido hoje)... O desconto é o juro no espelho”. 

Uma leitura superficial ou precipitada poderia afirmar que é sempre melhor “pagar agora para usufruir agora” e “pagar agora para usufruir amanhã”, que pode acarretar desconto, do que “usufruir agora para pagar amanhã”, que certamente implica juro. Mas não é bem assim. Há coisas de que você precisa agora, mas não tem como pagar agora. Há coisas cujo valor justifica certo juro para que a posse seja imediata. Há ocasiões em que o custo do acesso imediato, mesmo com o juro embutido, é menor do que o custo do adiamento do acesso. Fazer transações econômicas e financeiras, discutir relações custo-benefício e fazer escolhas baseadas em valores éticos e espirituais exige sabedoria, e chega a ser quase uma arte. 

Agressividade em investimentos para o futuro é coisa para quem tem dinheiro para semear, correndo o risco de perder. Quem vive de salário e se sacrifica para manter o mês na ponta do lápis tem que balizar suas decisões econômicas e financeiras nas duas máximas da administração conservadora: manter a despesa menor que a receita e não gastar hoje o recurso que, se acredita, estará disponível amanhã: “vou fechar um negócio”, “vou receber uma herança”, “vou ganhar uma causa na justiça”, “o cliente prometeu que no mês que vem vai quitar a dívida antiga”. 

Os norte americanos superestimaram os valores futuros e agiram com base em uma suposição infundada (ou, no mínimo, com fundamentos questionáveis): “Sua casa de 100 mil hoje vai valer 300 mil amanhã, então pegue um empréstimo de 200 mil”. Literalmente “a casa caiu” quando o amanhã chegou e a casa de 100 mil valia os mesmos 100 mil, isto é, não havia como pagar o empréstimo de 200 mil. O mercado de ilusões, a ganância e a pseudo esperteza são boas pistas para a compreensão, não apenas da atual crise econômica mundial, como também para os embaraços financeiros de muita gente trabalhadora e honesta. 

Ao final das contas, estava mesmo certo o apóstolo Paulo: “aprendi o segredo do contentamento; aprendi a contentar-me com o que tenho. Sei estar abatido, e sei também ter abundância; em toda a maneira, e em todas as coisas estou instruído, tanto a ter fartura, como a ter fome; tanto a ter abundância, como a padecer necessidade. Posso todas as coisas em Cristo, que me fortalece” (Filipenses 4.11-13). Quem não se contenta com o que tem, seja muito ou seja pouco, será sempre infeliz, quer tenha muito, quer tenha pouco, não importa se agora ou no futuro. Não sabe desfrutar o que tem e, portanto, não saberá desfrutar o que terá. E certamente vai gastar mais, pois dificilmente será capaz de fazer a diferença entre custo e valor: quanto custa e quanto vale.

 Ed René Kivitz

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