sexta-feira, 26 de março de 2010

MÁGOAS.


Ricardo Gondim
Não guardo mágoas de nada do que já passei. No charco da vanglória, também ostentei vaidade. Na pretensiosa afirmação de saber tudo sobre Deus, também fui intolerante. No silêncio oportuno dos venais, também calei. Na empresa megalomaníaca que visava arrasar o mundo, também fui impetuoso. Na absurda incoerência de não saber eleger prioridades, também violentei pessoas.

Contudo, pesa em minha alma a dor do nunca mais. Nunca mais verei o meu pai no seu aniversário e eu deixei de visitá-lo para fazer companhia a pessoas que não eram amigas de verdade. Nunca mais poderei ler poesia com minha mãe; só depois que ela morreu, descobri sua verve poeta. Enquanto mamãe recitava Pessoa em algum sarau, eu participava de estudos sobre algum assunto que hoje desprezo. Nunca mais sentarei numa cadeira de balanço com a avó Maria Cristina; depois de ouvir-me pregar em fita K7, vovó queria conversar comigo e eu, ocupadíssimo faltava para atender colegas de ministério que depois me esfaquearam pelas costas. Tudo pode ser perdoado, mas o nunca mais do passado se cristalizou.

Desgostoso, também lamento não ter chorado os meus mortos como deveria. Pressões de estranhos, cobranças religiosas e vozes masmorrentas roubaram a atenção que deveria dar ao trágico e necessário momento de vivenciar a dor da morte. Ninguém deveria se interpor ao luto. No enterro de quem amei, fui obrigado a resolver conflitos, explicar-me, ouvir desaforos. Eu precisava de uma cela e vi-me na arena, carecia de silêncio e ofereceram-me tumulto.

Se algum fiapo de dor aparece em minha alma, ele se resume a inconformidades desse tipo.

Soli Deo Gloria

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