sábado, 3 de julho de 2010

CLAMOR DE UM SOLITÁRIO.


Reparto a mensagem abaixo que me sensibilizou às lágrimas. Raimundo César é o nome fictício de um pastor evangélico que me escreveu contando detalhes bem constrangedores de sua denominação. Pedi e ele aquiesceu em deixar que eu publicasse apenas um trecho de sua "carta"; com a única condição de continuar anônimo.
Dolorida, angustiada, mas verdadeira, a inquietude deste pastor pode ser bem parecida com a de muitos. Já lhe respondi, mas optei por deixar os meus insights em segredo para preservar a identidade.
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Prezado Ricardo,
Disseram-me que ninguém teme a morte. Eu não tenho medo de morrer, amigo. Apavoro-me só de imaginar que um dia deixarei de existir sem ter feito a minha vida valer. Todos lutamos para escrever alguma coisa na página em branco que recebemos no dia em que aportamos neste mundo. Mas a nossa história, que inclui reputação, renome, fama e poder demandam uma usina de energia. Viver empolga, mas também cansa para caramba.
Não almejo grandes arroubos. Acho que ficaria satisfeito com pequenas coragens; busco uma intrepidez mínima que me dê ânimo para o próximo passo. Igual a você, sinto-me numa maratona. Chamo a minha vida de maratona.
Confesso que o meu fôlego acabou para levantamento de recursos, para mobilização de pessoal, para cuidado de carentes, para gestos de solidariedade, para vencer a complacência generalizada. Depois de anos de trabalho, não encontro sombra, refresco. Admito: o dia-a-dia eclesiástico não passa de um triturador de sonhos.
O desperdício de energia emocional para lidar com inconstâncias é constrangedor. Noto que o conceito de “Amor Líquido” proposto por Zygmunt Bauman transbordou para a espiritualidade que me rodeia. Vivo ladeado por gente que trata o divino com a lógica do mercado: um mínimo de investimento esperando receber um máximo de retorno.
Preciso me recompor depois de dar-me tanto, mas não sei como. Decepções aparentemente desprezíveis geraram um desalento monumental em minhas poucas iniciativas. Somei desencantos e agora me vejo roubado de antigos ideais. Ímpetos se transformaram em prudência. Cautela substituiu denodo. Desânimo tomou o lugar do coração aquecido. Pouco a pouco, letargia se alastrou como um cancro em minha alma. Perdido, sem paixão, perambulo como um zumbi nos becos mal iluminados da minha religião.
Grato por se mostrar disposto. Vejo-lhe como parceiro na agonia, irmão na angústia e amigo na caça de novos horizontes. Mesmo pastor de uma comunidade crescente, estou desalentado; nenhuma conquista consegue dessedentar o meu coração, acalmar o meu espírito conturbado ou reverter o esmorecimento de minha existência. Sei que Deus está comigo, mas as superficialidades me sufocam, as repetições me estranham, os lugares-comuns me derrubam. Minha denominação faz água. Breve, bateremos no fundo do poço.
Mesmo na comunicação fria da internet, sei que posso "andar" ao seu lado, e isso me anima. Você tem me ajudado a cerzir pequenas coragens no meu tecido existencial. Por aqui, ando só, estou só e me vejo só no futuro. Porém, de algum modo, o mundo virtual nos aproximou. Nada lhe peço nada senão um aceno leve.
Diga-me, outros carregam um clamor semelhante ao meu? Mesmo sem conhecer muita gente fora do meu gueto, penso que sete mil ainda não arriaram os braços diante desta inclemente realidade que me rodeia.
Sei que posso contar com você. Conte comigo! 
Com um abraço e carente de seu carinho,
Raimundo César. 

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